quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Sião, Muitas Luas Atrás...


Dizem, em Sião, que quando um homem se apaixona por uma mulher profunda, louca e irremediavelmente, ele é capaz de fazer qualquer coisa para mantê-la ao seu lado, agradá-la, fazê-la feliz e valorizá-la.
Certa vez, houve um príncipe de Sião que se apaixonou com essa força por uma mulher de rara beleza. Ele persistiu e a conquistou, porém, algumas semanas antes do casamento - celebração que incluiria uma festa nacional -, o príncipe ficou preocupado.
Ele sabia que devia, de alguma maneira, provar o seu amor por ela com um ato de heroísmo e poder, que os uniria para sempre. Ele precisava encontrar algo tão raro e belo quanto sua amada. Depois de muito pensar, chamou os três servos em que mais confiava e disse a eles o que deveriam fazer:
- Ouvi histórias sobre a orquídea negra, que floresce no nosso reino, no alto das montanhas do norte. Quero que a encontrem e a tragam para mim, para que eu a dê à princesa no dia do nosso casamento. Aquele que me trouxer a orquídea primeiro será re-compensado com um tesouro que o fará um homem rico. Os dois que falharem não viver-ão para assistir ao meu casamento.
O coração dos três homens, ao se curvarem em frente ao príncipe, se encheram de terror, pois sabiam que estavam diante da morte. A orquídea negra era uma flor mítica, assim como os dragões dourados e cheios de joias que adornavam as proas dos barcos reais, que levariam o príncipe ao templo onde se casaria com a nova princesa.Era uma lenda!
Naquela noite, os três homens voltaram para as suas famílias e se despediram. No entanto, um deles, deitado nos braços da esposa que chorava, era mais esperto do que os outros e tinha ainda mais vontade de viver do que eles. Quando chegou a manhã, ele havia traçado um plano. Partiu para o mercado flutuante, que vendia temperos, sedas e flores. Lá, usou moedas para comprar uma linda orquídea de um rosa muito intenso, repleta de pétalas escuras e aveludadas.
Depois, andou com a flor na direção dos estreitos klongs (1) de Bangkok até achar o escriba sentado entre seus rolos de pergaminho na escura e úmida sala de trabalho, nos fundos de sua loja. O escriba já havia trabalhado no castelo, era assim que o servo o conhecia, mas seu trabalho fora considerado indigno devido a algumas imperfeições em sua letra.
- Sawadee krup (2) , escriba. - o servo colocou a orquídea sobre a escrivaninha. -Tenho uma tarefa para nós dois e, se você me ajudar, posso oferecer riquezas com as quais você apenas sonhou.
O escriba, que havia sido obrigado a escrever por dinheiro para sobreviver desde sua saída do palácio, olhou para o servo com interesse.
- Como faríamos isso?
O servo apontou para a flor.
- Quero que use sua habilidade com as tintas e pinte as pétalas dessa orquídea de preto.
O escriba franziu as sobrancelhas ao olhar o servo e analisou a planta.
- Sim, é possível fazer isso, mas, quando crescerem novas flores, elas não serão negras e você será descoberto.
- Quando crescerem novas flores, você e eu estaremos a muitos quilômetros daqui, vivendo como o príncipe a quem sirvo - respondeu o servo.
O escriba balançou lentamente a cabeça enquanto pensava na proposta.
- Volte aqui ao cair da noite e você terá sua orquídea negra.

O servo voltou para casa e pediu à esposa que arrumasse seus escassos pertences. Prometeu-lhe que, depois, ela poderia comprar o que seu coração desejasse e que ele daria a ela um lindo palácio, muito longe
dali.
Naquela noite, ele voltou à loja do escriba e perdeu o fôlego de alegria ao ver a orquídea negra sobre a escrivaninha. Observou as pétalas e viu que o escriba havia feito um excelente trabalho.
- Está seca - comentou o escriba - e a tinta não sairá nos dedos de quem quiser tirar a prova. Eu mesmo testei. Teste você.
O servo testou e viu que seus dedos não ficaram sujos de tinta.
- Mas não sei dizer quanto tempo irá durar. A umidade da própria planta molhará a tinta. E ela nunca deve ser exposta à chuva, é claro.
- Está boa o suficiente - afirmou o servo, pegando a flor. - Estou indo para o palácio. Encontre-me às margens do rio à meia-noite e lhe darei sua parte.

Na noite de seu casamento com a princesa, e depois de haver compartilhado seu dia de felicidade com o reino, o príncipe entrou em seus aposentos privados.
A princesa estava no terraço, olhando o rio Chaopraya, que ainda estava iluminado com os reflexos dos fogos de artifício disparados para celebrar sua união com o príncipe. Ele foi para perto dela.
- Meu único amor, tenho algo para você. Algo que representa sua raridade e perfeição.
Ele lhe entregou a orquídea negra, que estava dentro de um pote de ouro sólido enfeitado com joias.
A princesa olhou a flor e as pétalas negras como a noite, que davam a impressão de sofrerem sob a pesada cor produzida por sua espécie. A planta parecia cansada, murcha e malévola com sua escuridão antinatural.
Porém, ela sabia o que estava segurando, o que significava e o que ele havia feito por ela.
- Meu príncipe, é primorosa! Onde a encontrou? - ela perguntou.
- Procurei pelo reino, de uma ponta a outra. Tenho certeza de que é única, assim como você.
Ele olhou para ela, com todo o amor que sentia brilhando em seus olhos.
Ela viu aquele amor e acariciou delicadamente o rosto dele, esperando que ele soubesse que era correspondido e que sempre seria.
- Muito obrigada, é linda.
Ele agarrou a mão dela em seu rosto e, ao beijar seus dedos, foi tomado pelo desejo de possuí-la por inteiro. Era noite de núpcias e ele havia esperado um longo tempo por isso. Tirou a orquídea das mãos dela, a apoiou no terraço, abraçou a princesa e a beijou.
- Venha para dentro, minha princesa - ele murmurou em seu ouvido.
Ela deixou a orquídea negra no terraço e o seguiu até o quarto. Um pouco antes do amanhecer, a princesa se levantou e saiu para dar bom-dia à primeira manhã da nova vida dos dois. Ela viu, pelas poças rasas, que
havia chovido durante a noite. O novo dia estava nascendo, o Sol ainda estava meio escondido pelas árvores do outro lado do rio.
No terraço, havia uma orquídea rosa e magenta, no mesmo pote de ouro que o príncipe entregara a ela. A princesa sorriu e tocou as pétalas da flor, agora limpas e saudáveis por causa da chuva, muito mais bonita do que a mesma orquídea negra que o príncipe dera para ela na noite anterior. Um suave tom de cinza tingia a poça ao redor dela.
Por fim, ao entender o que acontecera, ela pegou a flor e cheirou seu divino perfume, ponderando sobre o que fazer. Era melhor contar uma verdade para ferir ou uma mentira para proteger?
Alguns minutos depois, ela voltou para o quarto e se aconchegou novamente nos braços do príncipe.
- Meu príncipe - ela murmurou enquanto ele acordava -, a orquídea negra foi roubada durante a noite.
Ele se sentou de repente, horrorizado, pronto para chamar os guardas. Ela o acalmou com um sorriso.
- Não, meu querido, eu acredito que ela nos foi dada apenas por uma noite, a noite em que nos tornamos um só, quando nosso amor floresceu e nos tornamos parte da natureza também. Não podíamos presumir
que ficaríamos com algo tão mágico só para nós... E, além disso, ela iria murchar e morrer... E eu não aguentaria.
Ela pegou a mão dele e a beijou.
- Vamos acreditar no poder dela e saber que sua beleza nos abençoou na primeira noite de nossa vida juntos.
O príncipe pensou por alguns instantes. Depois, como amava a princesa com todo o seu coração e estava feliz por ela agora ser inteiramente dele, não chamou os guardas.
À medida que ele envelheceu e a união deles se provou bem-sucedida e abençoada com uma criança concebida naquela noite, e muitas outras depois, ele acreditou por toda a vida que a mística orquídea negra lhes havia emprestado sua mágica, mas não pertencia a eles.

Na noite depois do casamento do príncipe com a princesa, um pobre pescador estava sentado nas margens do Chaopraya, a algumas centenas de quilômetros do palácio real. A linha de pesca estava vazia havia duas horas. Ele se perguntava se os fogos de artifício da noite anterior haviam espantado os peixes para o fundo do rio. Não pegaria nada para vender e sua família passaria fome.
Conforme o Sol subia acima das árvores da margem oposta para jogar sua luz abençoada sobre a água, ele viu alguma coisa brilhar entre os restos de algas verdes que flutuavam pelo rio. O pescador deixou a vara e entrou na água para pegá-la. Agarrou-a antes que flutuasse para longe e puxou um objeto coberto de algas para a margem. Ao remover as algas, que visão! Um pote feito de ouro sólido, decorado com diamantes, esmeraldas e rubis!
Esqueceu-se da vara, guardou o pote em sua cesta e partiu para o mercado de joias na cidade, sabendo, com o coração transbordando de felicidade, que a família nunca mais passaria fome.

1 Rotas fluviais que servem como ruas e mercado aberto. (N. E.)
2 Cumprimento tradicional tailandês. (N. E.)

Parte do Livro A Casa das Orquídeas, Lucinda Riley, págs.7 a 11.

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